Thursday 29 January 2009

E eis que de facto o mundo parece chegar ao seus últimos dias. O sinal evidente é dado pelos não-vivos. Fartos dos seus sepulcros, dos vermes como única companhia, e do peso de toda aquela terra sobre os seus ossos, a sua paciência atinge o limite. Não compreendem o porquê de não poderem andar à face da terra, como os vivos, apenas pelo facto de o seu coração já não bater e de o seu sistema respiratório já não consumir oxigénio há muito tempo. Quando muito e tendo em conta os tempos que correm isso seria uma enorme vantagem. Com esta constatação, os cádaveres, termo tão depreciativo este, decidem que está na altura de sairem dos seus buracos e terem direito a caminharem neste mundo, de verem por si próprios como está o planeta do qual apenas só conhecem o seu pedacinho de solo, morada dita eterna. Os vivos parecem não compreender muito bem esta curiosidade latente de quem não respira, já que perante as visões dantescas (termo melodramático do qual só os vivos se lembrariam) de pedras tumulares abertas e gavetões vazios, fogem e gritam como se estivessem a ser invadidos por alienígenas cinematográficamente maléficos. Os mortos, um pouco encandeados com tanta luz depois de anos, décadas e séculos de escuridão, não compreendem estes seres vivos tão aterrorizados. Afinal de contas, na maior parte dos casos, o seu aspecto não é assim tão repulsivo. E afinal de contas, quem são eles para os julgar, experimentassem uns quantos anos sem direito a banhos, maquilhagens ou cirurgias plásticas, e veriam que o aspecto exterior é demasiado sobrevalorizado. Os não-vivos percebem perfeitamente, qual iluminação religioso-espiritual, que o que conta é o que temos dentro de nós. Seja esse interior preenchido pelos respectivos orgãos vitais ou não, é o nosso interior que nos define, respiremos ou não. E exactamente por esta razão, e depois de alguns dias vagueando pelo planeta, afugentando os vivos e mesmo criando espirais de pânico pouco compreensíveis, os não-vivos chegam a uma conclusão tão inacreditável que os deixa de queixo caído (ou nalguns casos efectivamente de maxilar caído no chão). Este mundo é pior do que aquele que deixaram aquando da sua descida aos solos. Tudo está pior. Nada mudou para melhor e os mortos vêm-se confrontados com a terrível conclusão que ali não há nada para eles. Os vivos que fiquem com aquele mundo imprestável. Do seio dos não-vivos, emerge um profeta, de ossos praticamente limpos de carne mas com enorme sabedoria. É dele que parte o apelo para o regresso às suas moradias sepulcrais. Todos saudam esta iniciativa, estranhamente unindo vivos e mortos à volta deste parecer. E é assim que os não-vivos iniciam o seu lento regresso aos cemitérios, fechando as suas campas e deixando atrás de si um mundo verdadeiramente putrefacto, digno de todos os vivos que o habitam. Lentamente, muito lentamente, as cancelas dos cemitérios se vão fechando para nunca mais se abrirem ao mundo exterior. O último a fechar a porta é o profeta, enquanto lança um último olhar lá para fora, para a parede onde deixou a sua última profecia, uma espécie de postal de boas-vindas para todos os vivos.


Wednesday 28 January 2009

Bom, e cá estou eu, novamente, num dia que não uma quinta-feira (não faz mal as palavras não têm calendário predefinido, nem se importam se me adianto ou me atraso).

O tema de hoje não é de grande importância para o mundo (mas que revela muito da falta de noção geral, revela), mas têm alguma para mim.
Não compreendo a necessidade/facilidade/alheamento que leva as pessoas a discutirem a sua vida (pessoal, profissional, intima...) numa mesa de restaurante, num canto de um café, com um tom de voz que torna difícil ao mais bem-intencionado comum dos mortais não ouvir a conversa.

E não, não é do ocasional desabafo, que estamos a falar... de uma frase aqui e ali, do convívio (necessário e a fomentar)...

Trata-se de uma poluição sonora que contamina a refeição e a leveza de estar dos vizinhos do lado que inocentemente se deslocaram ali com a intenção de relaxar e esquecer os seus próprios males (se os houver) e deparam-se agora com uma veemente dificuldade em se ouvirem a si próprios.

Será possível que não há outros sítios para discutir e acusar o outro de patéticas maldades empresariais, escamotear as suas acções, gritando para todos ouçam e condenem, praticando assim também um pouco da maldade que se critica?

Será que não pode partilhar a depressão ou histerismo (com direito a ameaças, gritos e choros) com os nossos amigos,
dentro de quatro paredes?

Talvez seja da conjunção entre a minha actual falta de paciência e o meu íman karmico (sim, pelo menos 2 vezes em 2 saídas seguidas), mas não acho isto normal.

E como sou humana (e como já referi um espécime bastante cansado no momento), tive me controlar para não interromper tão entusiásticas telenovelas e solicitar pelo silêncio ruidoso que habita nos espaços públicos e nos dá uma sensação de privacidade.

Thursday 22 January 2009

Confesso que há dias em que é muito difícil.


Dias que parecem intermináveis, semanas que parecem durar séculos, meses que equivalem a eternidades, e anos que se assemelham a pequenas partículas do infinito.

Mas depois...

Depois surgem aqueles momentos que realmente fazem com que a minha vida tenha significado.
E nesses momentos, as nuvens afastam-se, o sol brilha, tudo parece ter novas cores, e de repente estou feliz quase sem me aperceber.

Porque, por vezes, o único mundo que acaba é aquele que na realidade não precisamos.

Monday 19 January 2009

Hoje... o mundo acaba à segunda

Depois de 3 tentativas (falhadas) de escrever a uma quinta-feira, resolvi escrever quando me der na real gana, para não me desiludir a mim e não te deixar aqui sozinho a fazer posts por duas work-aholics sem noção que a vida não é só mais do que trabalho, mas que tem de ser mais que trabalho.

E essa é uma das razões que do meu mundo estar quase a desmoronar (sim, eu sei que isto é um bocadinho dramático e egoísta, e que era suposto estarmos a falar dos males do mundo, mas não será este um dos mais cruéis em termos da sociedade actual? o de não termos tempo para ser, o de não termos tempo para dar).

O meu cansaço já extravasou o corpo e alojou-se na alma, e quero, preciso, de ter um mês de vida normal a sair todos os dias às 6:30 (já nem digo às 6...)... mas não consigo sequer alcançar isso no horizonte.

E como não consigo, o meu corpo também cansado (de mim) ameaça-me com uma espécie de guerrilha.

E não, não tive um dia mau (é claro que estive a corrigir um erro de outra pessoa pela n-ésima vez, o erro que deveria ter sido corrigido pela própria, o erro que é grave, gravidade que já lhe foi explicada várias vezes... mas desta vez ficámos todos até mais tarde para corrigir isso, não fui só eu...e por isso o dia não foi mau).

Mas sofro actualmente de overload de coisas pequeninas, que moem e se tornam enormes, e preciso de descansar o corpo, a alma, a aura, tudo o que mais houver.

(e foi o que se conseguiu)

Thursday 15 January 2009

Acabei de chegar agora a casa, depois de um dia que podia ser considerado como um relembrar.
Um relembrar de que, quando menos esperamos, o chão cede sob os nossos pés e aí estamos nós numa perpétua descida aos infernos.
Não os infernos que nos habituámos a ouvir pregar durante a nossa infância, mas sim aqueles que todos os dias nascem ao nosso redor, criados por seres que muito pouco têm de humanos.
Eu sei, eu sei, que depressivo, é impossível que seja assim tão mau, apenas vês o lado mau do mundo, que cinzento que tu és, não consegues ver ao menos as cores do arco-íris.
Sim, eu sei que é.
Não, por vezes não me parece que seja.
Não, também vejo o bom, mas não posso negar que vejo o mau.
Posso ser, sim, mas não o sou sempre.
Sim, consigo.

E só por isso devo calar a minha revolta?
E só por isso devo manter um silêncio cúmplice e nojento?

Não me parece.

Tenho uma nova resolução de ano novo.
Tenho que me tornar rapidamente um ser narcoléptico.
A bem da minha sanidade mental.

E continuo sozinho.

Thursday 8 January 2009


(Imagem retirada daqui.)

Aqui continuo inteiro.
Ainda trancado em casa, mas com menos borbulhas.
Nem todas as epidemias que assolam este país (ou as pseudo-epidemias, no meu caso) são suficientes para acabar com o que quer que seja. As pessoas continuam a correr de um lado para o outro, preocupadas com as contas, com o jantar, com o que vai acontecer com a alice da telenovela das nove. Tudo continua a sair de casa pela manhã, apenas para ao final da tarde voltarem todas ao subúrbio do seu coração, seja ele mais perto de lisboa, ou mais perto de sintra. Olha-se à volta e tudo parece igual. Seja na avenida dos bons amigos, na estrada de benfica, ou mesmo no passeio das tágides. Long Live Corbusier & Ca.

Esta semana o mundo continua de pé.
Ao contrário de outras partes do planeta, onde parece desabar sob o efeito de mísseis terra-ar ou rockets com nome de bar do cais do sodré. Porquê? Porque sim. Nesses pedaços de terra tão apetecidos, não há razões válidas para acabar com o mundo, simplesmente é assim e cabe-nos apenas assistir, impávidos e serenos.

Continuo sem companhia.
Talvez para a semana, se se lembrarem.



"Agora não, que falta um impresso...
Agora não, que o meu pai não quer...
Agora não, que há engarrafamentos...
Vão sem mim, que eu vou lá ter..."

movimento perpétuo associativo, Deolinda

Thursday 1 January 2009

O ano começa hoje.
Mas o mundo podia acabar hoje.

Imagino que uma declaração do Presidente da República a anunciar o fim do mundo não tivesse o mesmo impacto de uma terceira intervenção sobre o Estatuto Político-Administrativo dos Açores. Mas mesmo assim imagino que os níveis de audiência ainda fossem significativos.

É claro que para a grande maioria das pessoas a notícia iria passar ao lado. Ressaca oblige. É o que acontece quando o mundo decide acabar no mesmo dia em que um novo ano começa.

Mesmo assim, ainda acho que o fim do mundo traria algumas vantagens.
Por um lado, deixavam de haver restaurantes Lizarran.
Isso e também se acabavam com as birras de gajos um bocado para o borbulhentos.