Thursday 29 October 2009

Tal como tantas outras coisas a esperança tem de ser qb, para não resultar oca, vazia de sentido, desprovida de realismo. Sim, porque uma coisa é ter esperança, outra é navegar em divagações delirantes que muitas vezes roçam o doentio e acabam por limitar o que de facto existe, o que de facto tem potencial para despertar.

Talvez viver seja isso, acreditar (lutando as vezes que forem necessárias) sem perder a noção da realidade (e isso implica o bom e o mau que a realidade tem, porque muitas vezes o que há de bom fica soterrado num emaranhado de descontentamentos) nem o tempo das coisas, numa tentativa constante de alcançar o equilíbrio.

Sim, que como dizia a minha avó "no meio é que está virtude".

(os que me conhecem sabem que gosto de palavras "antigas", provérbios e outros que tais... e que eu própria sou meia antiga, uma mistura apurada - espero eu - do bom de hoje e de ontem).
"Andamos todos meios perdidos, disse ela de forma contemplativa e quase resignada, como se lutar contra a vida fosse semelhante a lutar contra o mar em tempos de bandeira vermelha. Como se apenas fosse possível tentarem manterem-se à tona."

(palavras de RF)

E se ela fosse a única que tentava de alguma forma nadar contra as vagas negras que a envolviam? O oceano conseguia ser um lugar muito solitário, mas naquele momento qualquer ponto do planeta seria solitário. Ela era a única que ainda nadava naquelas águas, que ainda caminhava por caminhos outrora povoados, que ainda palmilhava estrada citadinas há muito abandonadas. O silêncio daquele mundo apenas era quebrado pelo vento e pela chuva e trovoada que antecipava a vinda da noite. E a noite, com a sua escuridão negra e impiedosa, trazia-lhe uma espécie de reconforto retorcido. Ela preferia a ausência de luz àqueles dias mortos que a acompanhavam para todo o lado. Aquela luz cinzenta, mortífera, para sempre filtrada pelas nuvens que cobriam todo o planeta. Até o mar tinha perdido os seus azuis, os seus verdes, apenas ondas negras, umas atrás das outras. Não sabia porque razão ainda não tinha acabado com a sua vida, como tantos outros antes dela. Existia ainda algo dentro dela que lhe pedia, lhe suplicava para continuar a respirar, para continuar a enfrentar a morte de frente. Não sabia por quanto mais tempo esse sentimento perduraria. Sentia-se a afundar lentamente, para dentro de um mundo que não descansaria até sugar toda e qualquer réstia de esperança humana à sua face. Manter-se à tona? Sim, continuaria a fazê-lo, sozinha e sem mais ninguém nem nada pelo qual fazê-lo.

Espécie de homenagem fraquinha ao mestre.

Thursday 22 October 2009

Hoje não me apetece dizer nada, nada que importe, nem ouvir ninguém, mas também não quero mergulhar no silêncio. Tenho medo de gostar demasiado da ausência de som, de colocar os outros muito para lá dos meus limites, como se a distância socialmente aceite ultrapassasse os seus 60 cm (foi o que eu registei mentalmente um dia que li um estudo qualquer, e não garanto que não esteja a baralhar circuitos e a debitar uma outra distância armazenada nos meandros do meu cérebro) e fosse esticada para além do universo.

Talvez me sinta assim porque hoje o meu cérebro para além de cansado, está um pouco confuso, e se sente real e inocentemente incomodado com o som dos telemóveis, com as pessoas a falarem alto, com movimentos repentinos e filas de trânsito em pára arranca, sentindo uma necessidade de se trancar numa redoma protectora.

Ou talvez seja, porque sempre gostei de estar sozinha, comigo mesma e hoje sou (muito) mais que suficiente.

Thursday 15 October 2009

hoje não uso as minhas palavras. deixo essa tarefa para o Manuel Cruz, que o faz muito melhor do que eu. da minha exclusiva responsabilidade, fica o negrito.

Ouvi dizer que o nosso amor acabou.
Pois eu não tive a noção do seu fim
Pelo que eu já tentei,
Eu não vou vê-lo em mim:
Se eu não tive a noção de ver nascer um homem.
E ao que eu vejo,
Tudo foi para ti
Uma estúpida canção que só eu ouvi
E eu fiquei com tanto para dar!
E agora
Não vais achar nada bem
Que eu pague a conta em raiva!
E pudesse eu pagar de outra forma.

Ouvi dizer que o mundo acaba amanhã,
E eu tinha tantos planos pra depois!
Fui eu quem virou as páginas
Na pressa de chegar até nós;


Sem tirar das palavras seu cruel sentido
Sobre a razão estar cega:
Resta-me apenas uma razão,
Um dia vais ser tu
E um homem como tu;
Como eu não fui;
Um dia vou-te ouvir dizer:
E pudesse eu pagar de outra forma! Sei que um dia vais dizer:
E pudesse eu pagar de outra forma!

A cidade está deserta,
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte:
Nas casas, nos carros, nas pontes, nas ruas.
Em todo o lado essa palavra
Repetida ao expoente da loucura!
Ora amarga! ora doce!
Pra nos lembrar que o amor é uma doença,
Quando nele julgamos ver a nossa cura!

"Ouvi Dizer", Ornatos Violeta

Friday 9 October 2009

Andamos todos meios perdidos, disse ela de forma contemplativa e quase resignada, como se lutar contra a vida fosse semelhante a lutar contra o mar em tempos de bandeira vermelha. Como se apenas fosse possível tentarem manterem-se à tona.

Já há algum tempo que olhava em redor e se apercebia que o descontentamento manso que sentia agora de forma quase regular se estendia aos que a rodeavam. Ainda não tinha decidido se isso de alguma forma a consolava, ou a deixava ainda mais ausente de esperança.

Thursday 8 October 2009

E foi assim que se começou uma tradição de amizade, alegria e o adn de alguém muito duvidoso...


Tomorrow is a happy day, tomorrow is bucket day, don't forget your adn...

Thursday 1 October 2009

Acabei de me aperceber de uma verdade (que não política).

Gostava de ter um ferrari e uma conta bancária avultada, e ser um bem sucedido profissional, para passados uns anos chegar à conclusão que não era feliz nem saudável física e mentalmente, e deixar tudo para trás e vender o meu ferrari, e partir numa demanda pela minha paz espiritual, acabar perdido numa qualquer cadeia montanhosa coberta de neve, escapar às garras do abominável homem das neves, para acabar nas garras de uns quantos monges a viverem num vale perdido de uma beleza indescritível, tornar-me pupilo desses mesmos monges que parecem umas cópias uns dos outros, passar meia dúzia de anos em ensinamentos profundos, atingir um estado de comunhão com todo o universo numa manhã particularmente luminosa, escapar às garras dos monges que já não tinham nada para me ensinar, voltar ao mundo dito civilizado, espalhar a boa nova do meu estado de comunhão com o universo com todas as pessoas que me aparecessem pela frente, elaborar uma tourné de palestras onde explicaria às pessoas como podiam ser muito mais felizes se seguissem os meus ensinamentos, lançar livros em série sobre todos os passos iluminados que me levaram à minha comunhão com o universo de modo a que muitos milhões de pessoas o pudessem comprar para serem também bafejadas pela iluminação espiritual, conseguir ser portanto um monge extremamente bem sucedido, com uma conta bancária super-hiper-mega avultada, e no final do dia poder escolher entre qual dos dez ferraris estacionados à porta da minha mansão iria encetar uma nova viagem de paz espiritual até ao aeroporto em trânsito para a minha ilha particular.

Ufa, o que seria de nós sem guias espirituais que falam da verdade (que não política). E sem vulnerabilidades (que não políticas).