Tuesday, 4 September 2012

Percebi que não és o amor da minha vida, disse-lhe ela por intermédio de uma folha de papel meia amachucada e amarelada. Vejo agora que há uma divergência entre o que eu sabia que eras, e quem és efetivamente. Não porque me tenha enganado redondamente, ou forrado o nosso amor de patine cor-de-rosa. Simplesmente porque, de alguma forma libertei o que melhor havia dentro de ti, puxei o teu lado branco, e a minha influência, apesar de perdurar, esbate-se agora, perde terreno, e há em ti cada vez mais pontos cinzentos e pretos. Não tenho pretensões a salvadora da pátria, nem a anjo redentor, acrescentou com caneta preta e letra indiferente às emoções do momento, nem me acho uma pessoa sem mácula ou pecado, mas sei que de facto te influenciei positivamente, e te envolvi com o melhor que há no mundo, partilha e respeito profundos, leveza. Custa-me ver-te ceder à raiva e ao peso dos vícios, mas a verdade é que não posso fazer mais do que faço. Estaremos sempre ligados, e esta ligação não é morta, conjuga-se em vários tempos verbais. Mas a minha presença na tua vida tem contornos diferentes dos que julgas ter. Não és o amor da minha vida (tal como eu não sou o teu) mas estaremos sempre na vida um do outro, e a verdade é que te amo, como se ama alguém que nos é realmente querido. Abraço apertado, escreveu já quase no fim da folha, de forma meia inclinada.

2 comments:

Nuno Guronsan said...

Muito bem. Belo pedaço de ficção (é ficção, não é?:). Gostei muito deste pequenino texto. Será que não há continuação?

Beijos. E continua a escrever assim.

Anonymous said...

Ainda bem que gostaste... já algum tempo que não me dava para escrever (assim).

Como toda a ficção (ou quase toda) há bocadinhos de verdade, e bocadinhos de faz-de-conta. A ligação a alguém que passa a ser família no matter what pertence ao universo da realidade, e foi a base da "inspiração".

Quanto à continuação, não sei, vamos ver :)

Bjs
RF