dias d'alma vaga
tão perto de Deus
tão longe de mim"
Lembrei-me. Uma mesa de café a meio da manhã. Sentado, à espera do meu pai. Acho que estávamos a meio do Verão, altura de férias grandes. Altura de me sentar ao lado do meu pai enquanto ele conduzia por ruas e becos, entrando em cafés e restaurantes. E agora estava ali, numa mesa de café, à espera enquanto ele conversava com alguém do outro lado do balcão. E olhava para as outras pessoas sentadas, umas a lerem o jornal, outras a tomarem ainda o pequeno-almoço, olhando pela janela na ânsia de verem o seu comboio a entrar na estação, do outro lado da rua. E então ouvi a tua voz, "uma bica e um pastel de nata". E ao ouvir a tua voz, olhei para ti e reconheci-te. Parecias tão igual às imagens na televisão, mas ao mesmo tempo tão diferente. Talvez fossem os teus olhos, mais pensativos, mais profundos, enquanto folheavas o jornal e bebias o teu café. Sim, os teus olhos eram diferentes, mas tudo em ti era igual às imagens da televisão. Faltava apenas a banda à tua volta e o microfone à tua frente. Era apenas assim que te conseguia imaginar, tu, a banda, o microfone e as músicas que anos e anos mais tarde ainda ouviria, com o mesmo sorriso com que olhei para ti naquele café. Se o viste ou não, não sei. Apenas sei que aquela manhã ficou gravada em mim, e lembro-me de procurar, de cada vez que tornavas a aparecer na televisão, lembro-me de sempre procurar os teus olhos, se continuavam a ser pensativos, profundos, enquanto te deixavas arrebatar pela música e pelas palavras.
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