Sunday 29 December 2013

Um bilhete, na mesa, sem envelope, folha de papel sem dobras, caneta por cima em viés. Mensagem supostamente inacabada, interrompida talvez por um telefonema, uma panela ao lume. O rádio ligado, baixo, inaudível numa primeira interação com a sala vazia de pessoas, plena de impressões. Meia-luz, meia penumbra. Mundos divididos no mesmo espaço. Uma certeza com tanto de improvável, como de inabalável. Aperto no coração, manso a princípio, gritante três segundos depois. Interruptor, luz que invade o espaço. Ânsia de afastar pensamentos que se esperam injustificados, negada. Improbabilidade concretizada. Todas as outras certezas intactas. O baú cor de mel, comprado no antiquário junto à Assembleia, o sofá vermelho desbotado pelo tempo, no mesmo sítio. As fotografias, os quadros, o cavalo de madeira que o meu tio me deu milimetricamente iguais a si mesmos. A orquídea, indiferente e altaneira com as suas hastes carregadas de flores, sorridente para quem chega. Apenas o papel destoa, e aquela caneta, por fechar, em viés, em cima da mesa.

Tuesday 10 December 2013

Corto o silêncio com as palavras, como corto o ar em danças só minhas. Hoje apetece-me escrever, como noutros tempos. E mesmo sendo os pensamentos desconexos, escrevo, faço a vontade aos dedos, aos olhos. Preencho brevemente o branco do monitor, com sorrisos no canto da boca, cheios de outras histórias, de outras frases, que deixei lá atrás, que guardei lá à frente. Desassossego singelo, que se aloja na minha garganta e sem som surge em meias medidas, atrapalhando-se sem rumo,  sem conteúdo específico. Palavras atrás de palavras, que se apagam umas às outras por não saber o que quero dizer, o que é para dizer. E fica assim, por hoje, a vontade, sem direção, reduzida a meia dúzia de linhas.
Things are definitively black and white. Straight forward. No grey areas, no maybes or, or ifs. I may like to bring pink into the picture, but pink is an outsider. Has no way around here, nowhere to live. Pink has to go. And there is nothing wrong with some good old fashion black and white. It keeps things in perspective.

Thursday 5 December 2013

Thursday 21 November 2013

"Enquanto longe divagas
E através de um mar desconhecido esqueces a palavra
- Enquanto vais à deriva das correntes
E fugitivo perseguido por inomeadas formas
A ti próprio te buscas devagar
- Enquanto percorres os labirintos da viagem
E no país de treva e gelo interrogas o mudo rosto das sombras
- Enquanto tacteias e duvidas e te espantas
E apenas como um fio te guia a tua saudade da vida
Enquanto navegas em oceanos azuis de rochas negras
E as vozes da casa te invocam e te seguem
Enquanto regressas como a ti mesmo ao mar
E sujo de algas emerges entorpecido e como drogado
- Enquanto naufragas e te afundas e te esvais
E na praia que é teu leito como criança dormes
E devagar devagar a teu corpo regressas
Como jovem toiro espantado de se reconhecer
E como jovem toiro sacodes o teu cabelo sobre os olhos
E devagar recuperas tua mão teu gesto
E teu amor das coisas sílaba por sílaba"

Sophia de Mello Breyner Andresen


(E é isto tudo. Frase após frase. Como o ar que neste momento respiro. Obrigado, Sophia.)

  (a dobrar)

Thursday 24 October 2013

"Ainda que as palavras sejam débeis. As palavras são objetos magros incapazes de conter o mundo. Usamo-las por pura ilusão. Deixámo-nos iludir assim para não perecermos de imediato conscientes da impossibilidade de comunicar e, por isso, a impossibilidade da beleza. (...) A esperança da humanidade, talvez por ingénua convicção, está na crença de que o indivíduo a quem se pede que ouça o faça por confiança. É o que todos almejamos. Que acreditem em nós. Dizermos algo que se toma como verdadeiro porque o dizemos simplesmente."

Valter Hugo Mãe




Last night... 
 
 

 Dreaming wide awake...



Thursday 26 September 2013

Abriste o portão e entraste pela quinta dentro, como se ela ainda te pertencesse. Como se ainda morasses aqui. O cão correu para ti, saltou para os teus braços e lambeu-te a face, como sempre te fazia quando regressavas do trabalho. Tu sorriste, um sorriso feito de uma ténue nostalgia. Olhaste para a laranjeira. Esticaste-te para alcançar um dos frutos. Cheiraste-o e provavelmente recordaste os sumos que fazias nos verões que passámos juntos, sentados no jardim, a ver o sol a esconder-se no horizonte. A frescura do sumo nas nossas gargantas, o calor da tua mão repousada na minha. Largaste a laranja e foste para o teu jardim. Para as tuas plantas. Todas as flores que plantastes ao longo dos anos, as tuas crianças como lhes chamavas. Pegaste no regador, encheste-lo na fonte, e regaste as flores. Os teus cabelos taparam-te a cara, não consegui ver o que sentias ao regar mais uma vez as tuas plantas. Pousaste o regador e ficaste a olhar para a casa. Não tanto a olhar para as suas paredes, janelas, telhado, mas mais através dela, como se tentasses ver-me, no seu interior. Conseguia ver isso no teu olhar, a curiosidade para saber onde eu estava, o que estava a fazer, com quem o estava a fazer. Um misto de curiosidade e lamento. Tudo isso provinha dos teus olhos, das tuas feições, de todo o teu corpo ao lado do qual tantos e tantos anos vivi, amei, comunguei. Até que os teus olhos se cruzaram com os meus. Tu, lá fora no jardim, eu do lado de dentro da janela da sala. Ficámos a olhar, um para o outro, durante toda uma eternidade. Todas as nossas emoções revividas vezes sem conta. Até que não aguentei mais. Puxei os cortinados e deixei-te ali, no jardim, sozinha, longe de mim, com o sol a cair lentamente no céu, nas tuas costas.


Sunday 1 September 2013

Vou aproveitar este cansaço que ocupa cada centímetro de mim, que me envolve como um cobertor felpudo e leve, como se o meu corpo se quisesse abraçar a ele mesmo, consolar-se das suas pequenas tristezas, dos erros que lhe inflijo.

Vou aproveitar e dedicar-me ao livro que dei, e que agora me emprestam, que fala de chás, de entregas, de intimidade, que também ele me abraça, me conforta.

Vou usufruir do bem-estar do banho que tomei, dos convívios que o dia trouxe, e do corpo rendido ao exercício físico com cheiro a pinheiro e aragem campestre em plena cidade.

Vou desligar o computador, e esticar-me na cama, e quiçá fechar os olhos num virar de página que se avizinha. O jantar, esse só vem, se o corpo se lembrar que afinal quer comer. A barafunda fica lá fora, do outro lado da porta. Vou-me afundar na calma da brisa que passa pela janela e cumprimenta a minha pele.

Thursday 8 August 2013

Sei que tenho andado ausente, que nada é como dantes, e entre nós existe um muro transparente mas real, palpável. Sei que sentes falta da pessoa que era contigo, para ti, que receias que não volte a ser  quem  sempre conheceste. Que temes que não te queira, que não me importe.

Sei que às vezes poderia, deveria fazer mais, que me perco nos meus próprios equilíbrios e te deixo do lado de lá da porta, com vista para o silêncio. Sei que querias participar mais na minha vida, saber mais sobre o que me alegra, o que me aflige, que gostavas de recuperar a essência da amizade que extravasava os laços familiares. Sei que algures dentro de ti gostavas que não tivesse crescido tanto em tamanho (e talvez reduzido em simplicidade e ternura).

Sei tudo isso, mas não te consigo dar tanto como queres. Não, minto, não te consigo dar o meu tanto da forma como tu queres. Mas é só isso. Não falta sentimento. Por isso não sintas que te fujo, que me és indiferente. Sente apenas que nem sempre me expresso da mesma forma que tu, que a intimidade em mim tem outras formas. Não te entristeças, nem fiques com sensação de desenxabido, lembra-te que se calhar falamos línguas diferentes, verbalizamos e atuamos de formas diferentes. Mas somos família e isso nem o tempo apaga.

Thursday 11 April 2013

Pensar onde vou estar daqui a dez anos. O que quero ser, o que quero estar a fazer, onde é que quero estar. Custa e não é uma coisa que me agrade, lembra-me periodos da minha vida que não foram fáceis. E claramente, pelo menos comigo, é um exercício meramente teórico. Mas hoje, curiosamente, colocou-me as roldanas neuronais a funcionar num destino que muito me agradaria mas que sei ser próximo do impossível (ainda que tenha sido felicitado pela minha resolução e igualmente respeitado pela minha eterna timidez). Ainda assim, daqui a um ano tenho que voltar a ler algumas das coisas que escrevi hoje. Talvez nessa altura leve com um merecidamente dado pontapé no rabo para me mexer na direcção certa.


Thursday 28 March 2013

Levantaram-se. Os dois ao mesmo tempo. Tinham trocado um último olhar cúmplice antes de o fazerem e isso tinha sido o suficiente para saberem o que se iria seguir. Levantaram-se, deram as mãos e dirigiram-se para a porta da sala, ignorando os olhares surpresos de todos os que os ficaram a ver. Todos acompanharam a sua saída com ar estupefacto e, ao mesmo tempo, invejando a sua decisão. A reunião pareceu ficar suspensa, todos sem saberem muito bem o que fazerem. Sentados à volta de uma longa disposição de mesas em semi-círculo, todos os formandos desviaram o olhar da apresentação, hipnotizados que estavam pela fuga dos seus dois colegas. Os slides da apresentação continuaram a passar enquanto o formador olhava também as duas pessoas a saírem pela porta da sala de reuniões, incapaz de dizer o que quer que fosse. Todos sem reacção. Apenas eles os dois sabiam o que tinham de fazer. Darem as mãos, saírem daquela sala e irem lá para fora, viverem a vida que sempre desejaram viver. Longe de reuniões, formações, objectivos, pressões, inimizades, tudo aquilo que agora tinham e com o qual já não conseguiam viver. Aliás, e ambos pensavam assim, a única coisa boa que aquela vida lhes tinha trazido era o conhecimento um do outro e o amor que entre eles tinha nascido. Á medida que fechavam a porta atrás de si, ouviam os comentários dos seus colegas, o que estavam eles a fazer, onde é que iam, não sabiam que estavam a um passo do despedimento, tudo falsas preocupações de pessoas que não passavam de completos desconhecidos daquilo que eles os dois realmente eram. Tanto ele como ela, ainda de mãos dadas, não conseguiam evitar um enorme sorriso enquanto ouviam o trinco da porta que se fechava atrás deles. O sorriso de quem ia começar uma nova vida ao lado de alguém que finalmente o(a) compreendia como ninguém...

Thursday 21 February 2013

"Sabes o que eu quero? Sabes?" disse ela num tom de voz descontraidamente cortante "que vão todos dar uma volta ao bilhar grande e me deixem em paz..."  olhando-a olhos nos olhos por breves segundos " é que sabes, estou farta do papel que me cabe, desta dinâmica estúpida em que todos vêm o seu lado mas nunca o meu" e sem dar tempo de resposta, ripostou contra o ar e contra eles incapazes de perceber a profundidade da sua mensagem "farta... farta, sabes que mais, da próxima vez que precisarem: não liguem!". Bateu a porta e saiu.
   "E na parede branca estava escrito um poema. Queres
que to diga? Era mais ou menos assim:

   As pessoas são insensatas, inconstantes e egoístas.
   Ama-as, apesar de tudo.
   Se fizeres o bem serás acusado de agires por outros
motivos.
   Faz o bem, apesar de tudo.
   Se tiveres êxito ganharás falsos amigos e verdadeiros
inimigos.
   Tenta alcançá-lo, apesar de tudo.
   Todo o bem que fizeres amanhã será esquecido.
   Faz o bem, apesar de tudo.
   A honestidade e a franqueza tornam-te vulnerável.
   Sê honesto e franco, apesar de tudo.
   O que passaste anos a fazer será destruído numa só
noite.
   Constrói o que tens de construir, apesar de tudo.
   As pessoas precisam de ajuda mas atacar-te-ão se as
ajudares.
   Ajuda-as, apesar de tudo.
   Dá o melhor de ti e serás atingido nos dentes.
   Dá ao mundo o melhor de ti, apesar de tudo.

   E depois?"

Pedro Paixão

 
(a dobrar

Thursday 14 February 2013

Pela calçada acima, segue ela mais uma vez, pequenina e curvada sobre si mesma. Nas suas roupas negras, luto que se lhe continua a agarrar, eterna lembrança daquele que perdeu para não mais voltar à sua casa. Caminha lentamente, o tempo não a preocupa há muito, deixa-se ir iluminada por um sol teimosamente primaveril sob céus ainda invernais. Os cabelos brancos, arranjados em pequenos caracóis, deixam pequenos vestígios do que em tempos foi a sua beleza, agora vergada pelos muitos anos de vida e trabalho na lavoura. Os pequenos óculos redondos de aros também pretos, por trás dos quais se escondem olhos côr de avelã, onde tantos e tantos pretendentes se perderam na sua adolescência, mesmo quando ela já sabia perfeitamente a quem pertencia o seu coração. Ao longo da sua face e das suas mãos, as rugas são sentinelas atentas à passagem do tempo, rearrumando aquilo que foi suavemente belo para um outro tipo de beleza, aquela que apenas as pessoas de uma idade avançada nos conseguem mostrar sem receios ou desculpas. Nas suas mãos leva um pacote de sementes compradas no dia anterior na última loja resistente no seu bairro. Palavras que ela mal entende, de tão económicas se tornaram, varreram todas as outras lojas e os seus proprietários, indo alguns para tão longe que até as fronteiras deste país acabaram por passar. Quando a última loja se fôr, não sabe onde irá comprar as sementes para os seus companheiros. Aqueles que agora começam a esvoaçar em direcção ao chão que a rodeia. Que descem dos céus para a saudar, a sua benfeitora, a sua única companhia humana. Quase se podia acertar o relógio da torre da igreja matriz por estes encontros vespertinos. Tanto ela, como os pombos que agora se vão chegando aos seus pés, sempre se encontram ali, no passeio à volta do jardim, todos os dias, sempre na mesma hora. E ela deixa cair as primeiras sementes que, mal aterram na calçada, servem de manjar aos seus amigos alados, num ruído misto de asas esvoaçantes e arrulhares de estômagos satisfeitos. Ela sorri. No meio das rugas um sorriso de contentamento pelos seus companheiros. Os vizinhos já a avisaram inúmeras vezes para se deixar de dar comida aos pombos. Que não é higiénico, que aqueles pássaros só trazem sujidade e doenças. Que qualquer dia chamam a gnr. Ela que se deixe disso. Ela não faz caso. Conhece alguns desde os tempos em que eram uma pequena amostra de gente e já sabe que aquela gente já vem de más raízes. Isto nos mais novos. Os vizinhos mais velhos, os da sua idade, também já deviam ter idade para ter juízo e não lhe dizerem aquelas tolices, a ela que é uma das moradoras mais antigas do bairro. Ela faz ouvidos de mercador. Não lhes liga e, para ser franca, com a idade dela, já não tem que se preocupar com ameças fúteis daquelas. Ainda gostava de ver qual era o agente da polícia com tomates para a levar por um braço. Deixá-los falar, mais dia menos dia ela já não vai ter de os aturar. E ela sabe perfeitamente que os pombos não passam o dia a rondar e a sujar o bairro, eles apenas aparecem quando ela sai para a rua, com o pacote de sementes nas suas mãos velhinhas. E durante aqueles minutos em que as sementes duram e ela se vê rodeada dos seus pequenos companheiros de penas, o sorriso toma conta de si, e a solidão é atirada para um canto, e a vida até parece suportável. Durante aqueles minutos, sente-se amada e importante e, ousa mesmo dizê-lo para si, vagamente feliz. Feliz como há anos não o é. Desde que ele a deixou, partiu primeiro para o outro lado, deixando-a entregue a uma casa vazia e a um mundo que nunca mais teve o mesmo significado. Mas os pombos compreendem a sua mágoa e, ainda que não o percebam, são as suas melhores amizades, os seus companheiros de luta, contra todos aqueles que não percebem a verdadeira amizade, o verdadeiro amor. Contra aqueles que não suportam ver quem seja mais feliz que eles próprios, por muito ínfima que essa felicidade seja. É por isso que ela todos os dias vai à loja e compra as sementes. É por isso que ela, pequenina e curvada sobre si mesma, vai ao encontro dos seus companheiros todos os dias. E assim o irá sempre fazer, até que o seu mundo acabe, até que os seus dias corram o seu curso, até que o seu corpo decida que é tempo de ir ao reencontro do seu amor. Assim ela o reza, todos os dias, antes de sair à rua.



Saturday 19 January 2013

Não te assustes com as minhas palavras. Elas encerram mais no teu imaginário do que na minha boca. Em mim são claras, sem subterfúgios, desprovidas de segundas intenções, de rancores. Refletem a minha realidade, a minha vontade de exercer a diplomacia não pelas vias normais, mas pela inexistência de conflitos pela ausência de um dos lados que "guerreia". Sim, por neste momento não me apetece lutar com ou por. O que quero, o que quero mesmo, é sossego. Um lugar, um estado de espírito em que apenas estou. Onde descanso.


E quando me resguardo não é de ti que me afasto, é de mim que me aproximo.

Thursday 10 January 2013

"And nothing clears these stains
Not the January rains
Rising in the stream"

Já escrevia e cantava o Mark Kozelek...

Mundo definitivamente em pausa invernal...