Thursday 30 July 2009

Em contramaré rumei à praia. Calor de mais para as 18:15. Calor demais para qualquer hora. A ponte azul e branca, tão familiar, descia desta vez, fazendo a vontade à maré, e o comboio preto e vermelho não tardou a chegar. Houve quem aproveitasse para tirar fotografias. Talvez para mostrar à família as subtilezas deste maravilhoso destino de férias, talvez porque o comboio sem portas, nem janelas, delicia não só miúdos e mas também graúdos.

Desta vez, confesso, não liguei muito à paisagem. Dispersei a atenção nos rostos e nas conversas. O calor teimava e não fosse a praia ficar a poucos minutos e correr a brisa do costume, a magia do comboio ter-se-ia derretido.

Procurei a bandeira verde, e lá estava ela para me cumprimentar. A areia estava tão branca e mais fina que da última vez. Procurei um lugarzinho mais longe da "multidão", pousei a tralha, e mar, aqui vou eu! A vida é boa e eu apesar de alguns percalços aqui e ali, sou uma sortuda.
Custava-lhe virar as costas. Afinal de contas, tinha sido a relação mais duradoura que alguma vez tinha tido. É certo que eram o pólo oposto um do outro, mas não tinha ouvido tantas vezes aquela expressão dos pólos opostos que se atraem? Mas depois de todos aqueles anos, ficava plenamente convencido que a tal expressão devia ser uma referência a um antigo anúncio daquela marca de automóveis que nos anos 50 andou a fazer mutações genéticas de carros com insectos rasteiros. Mas, divagava. O que era realmente importante saber é que a relação tinha chegado ao fim, morta e enterrada ainda antes daquela última discussão. No fundo, ela nunca o tinha chegado a realmente entender. Isto é, nunca percebeu o seu eu interior. Aquilo que o fazia mexer. Também podia defender-se dizendo que ele raramente conversava com ela e saía da sala assim que os lábios dela previam a formação de palavras. E era realmente verdade. Mas não seria isso uma mísera desculpa para ela não encarar o problema de frente, o verdadeiro problema? E qual era o verdadeiro problema? A sua dependência dele, a maneira como sorvia todo o seu ser, deglutindo-o até um ponto onde já quase não existia. Aquilo não era, de modo algum, um relacionamento a dois, mas sim a diluição do seu próprio ser no desejo absolutamente pecaminoso de gula da parte daquela mulher que agora deixava para trás.

Em tudo isto pensava o esparguete, enquanto retirava dos bolsos algumas alcaparras de modo a poder pagar o quarto de motel, e as poisava no balcão por trás do qual uma beterraba mal encarada e de óculos escuros o observava de forma desconfiada.

Thursday 23 July 2009

Cala-te, por favor. Não grites mais, é excusado.

Não sabes como na verdade estás a agredi-lo tanto como a mim mesmo. Sinto o meu coração ficar pequenino, do tamanho de um grão de areia, de cada vez que abres a boca na sua direcção. Sentiria menos dor se simplesmente me cravasses uma faca no peito.

Ele não te compreende, será que não entendes?

E porque não fazer-lhe a vontade, deixá-lo ter a razão que ele pensa que ainda tem? Será que te custava assim tanto dar o braço a torcer e com isso torcer a verdade por uma boa causa? Eu sei, eu sei, eu deveria ser a última pessoa a defendê-lo, ainda me lembro bem das vezes que o confrontava com as minhas naturais dúvidas de adolescente, que tudo questionava e que tudo tentava colocar em causa, apenas mais um pretexto para uma guerra de palavras sem trégua.

Vê como ele está. Vê como ele ficou. E tu, porque estás assim, tão alterada?

Sim, as refeições calado, no meu canto da mesa, sob o seu olhar acusador. O sair desesperado da mesa e sempre recriminado pela minha falta de respeito, um puto sem a mínima educação, como era possível. A subida, sempre com a raiva em chamas, das escadas que tanto me ensinaram, as escadas onde passámos dias e noites de sabedoria que nenhum livro seria capaz de me incutir. As escadas onde tu e eu resolvíamos as nossas diferenças, onde voltávamos a sorrir um para o outro, onde o acordo de paz era quase sempre assinado com o recurso a um caneco de água. Sim, não me esqueço e quem me dera que tu também não esquecesses.

Vamos sair, vamos apanhar ar, vamos esticar as pernas, vamos conversar um bocadinho lá fora.

Vamos sair, vamos apanhar ar, vamos esticar as pernas, vamos conversar um bocadinho lá fora. Tenho uma ideia. Vamos caminhar ao contrário, voltar no tempo e fazer de conta que estamos outra vez ali, à beira da estrada. Com os nossos sorrisos eternamente presentes.

Thursday 9 July 2009

Saltar, ou não saltar, deixar os outros ficarem ou partirmos? Escolher o silêncio, ou aprender a partilhar o que nos aflige, dizer que basta, ou dar uma oportunidade aos outros e a nós próprios?
Deixar o cansaço abraçar-nos, ou andar a passos largos, cheios de convicção? Deixar-nos estar, ou partir em direcção a outras viagens, outras vidas... Sermos outros, ou sermos nós. Descobrimos o quê é o quê.
Porquê? Porque é que uma pessoa com quase 90 anos já confunde as faces das suas diferentes filhas e outra pessoa com quase a mesma idade ainda se sente à vontade para discutir as repercussões sociológicas do endeusamento de um insignificante jogador de futebol? Porque é que um apenas anda alguns minutos nas ruas á volta da casa enquanto o outro vai passear até à beira-mar para se reunir com amigos de décadas? Porquê, porquê? Quando será desenvolvida uma vacina que preserve o nosso cérebro até ao momento em que o nosso corpo deixe permanentemente de funcionar? E porque é que isso não pode acontecer ainda nosso tempo de vida? Somos uma forma de vida tão inteligente, supostamente a mais inteligente à face da nossa terra, e mesmo assim o segredo para manter essa inteligência até ao fim dos nossos dias ainda nos ilude, como se simplesmente as baterias do nosso cérebro não resistissem tanto como o bombear de sangue do nosso coração. Mas não é assim para todos. E não há estatísticas que nos valham, quando há volta de uma mesa estão sentadas quase duas dezenas de pessoas cujas mentes estão afinadíssimas, limpas ainda de névoas passadas que ocultam vírus tão ou mais destrutivos que os vermes informáticos. Porque no fundo, é o nosso próprio computador pessoal que está em causa, o nosso disco rígido repleto de memórias, conhecimento, opiniões e pontos de vista, tudo aquilo que realmente simbolizamos está ali, guardado naquele compartimento frágil de massa cinzenta. E como me custa ver a mente de alguém a fugir, lentamente, diante dos nossos próprios olhos.


No fundo, dia a dia, sem que o possamos evitar, apenas e simplesmente atenuar, é o próprio mundo que existe dentro de ti que começa a chegar ao seu término. E assim, resta-nos apenas continuar a dar-te o nosso amor, na esperança que isso te ajude mais do que a tua bengala.

Thursday 2 July 2009


Não gostava de morar num mundo pós-apocalíptico, apercebo-me agora disso. Um mundo que tivesse sido devastado pelas criações destruidoras do homem seria algo demasiado negro para mim. Viver rodeado do permanente sentimento da morte eminente, às mãos de um qualquer bando de revolucionários de alguibeira ou de agentes policiais transformados em braço armado de um lunático, são algumas das imagens que de repente me assolam o cérebro quando penso nessa possibilidade de mundo. Definitivamente o futuro, por vezes, consegue ser algo de perfeitamente assustador. Não é sempre, mas às vezes, quando se liga a televisão, quando se pega num livro ou quando se vê um filme que nos deixa a pensar. A pensar que por muito conhecimento que acumulemos na nossa fugaz existência, o desconhecido ocupará sempre a maior percentagem na nossa mente. Resta-nos acreditar que, no derradeiro fim, os princípios que deviam nortear o humanidade, como o amor e a amizade, serão mesmo a última coisa a ser vaporizada numa bola de fogo infernal...