Thursday 5 August 2010

Distraiu-se por alguns segundos com o título longo daquela música, e quando deu por si, estava a travar a fundo para evitar o choque com os carros parados à sua frente. Um chiar barulhento, um cheiro a borracha queimada que ficou no ar, uns quantos olhares assustados na sua direcção provenientes dos peões que por ali andavam, e uma ou duas buzinadelas dementes de outros condutores parados. E depois já podia respirar. Que diabo, não era normal haver tanto trânsito a esta hora, pensava ele. Será que já está tudo de férias e decidiram todos pegar nos carros e vir para a rua só para poderem entupir estradas, rotundas e quejandos? Começava a sentir a sua boa disposição a ir-se embora quando finalmente reparou que todos os semáforos estavam desligados. Nem sequer a intermitência habitual das horas mais tardias e escuras, simplesmente desligados. Não admirava tanta confusão automobilística. Lentamente os carros lá iam avançando, ao ritmo de tartarugas pachorrentas metálicas, arrastando-se ao longo do quente asfalto. Voltou a pensar na canção que ainda se ouvia como pano de fundo. Aumentou o volume e deixou que a melodia estival lhe animasse o espírito e lhe devolvesse o sorriso que o tinha acompanhado toda a manhã. Ouviu o som habitual de uma mensagem no seu telemóvel. Não tinha por hábito pegar no mesmo enquanto conduzia, mas como estava mesmo parado, decidiu espreitar o sms. Era dela. Dizia apenas as palavras que formavam o nome da canção que agora se aproximava do seu fim. Ela estava a ouvir a mesma canção. À distância de uma dezena de quilómetros, ela também estava a ouvir aquela canção que parecia fazer com que o sol brilhasse ainda mais. A mesma canção que os unia nessa distância. Voltou a sorrir, e não sabia muito bem o que responder-lhe. Afinal, a afirmação dela era tão forte que não carecia de confirmação da parte dele, pois ela sabia que sim, que também ele ouvia aqueles sons de outros caminhos, de outras paisagens. Se ela estivesse ali ao seu lado, beijá-la-ia. Porque quando estava com ela, havia muitas vezes em que não havia necessidade de palavras, apenas juntarem os seus lábios fazia sentido. Beijá-la. Sim, era isso que ele agora queria. E foi isso que lhe respondeu pelo telemóvel, e foi isso que lhe enviou exactamente no momento em que os carros começavam a avançar mais rapidamente. Sem vermelhos, nem amarelos, nem verdes. Veículos apenas iluminados pelo sol que varria toda aquela terra que já há muito tinha perdido a sua salvação. E enquanto acelerava, ele pensava como seria bom ouvir logo à noite a canção do nome comprido quando estivesse novamente ao lado dela, nos seus braços quentes...

(regime de exclusividade.)


3 comments:

PenaBranca said...

e o mundo não acabou (ainda?). atira-te, mas não ao rio.

A said...

Regime de exclusividade?

:)))))

Novo Blog?

Nuno Guronsan said...

Pena, atirar-me ao rio nunca mais, a menos que não o consiga evitar. Mais vale ficar quieto. ;))

Minha querida A, novo não será, pois já existe há um ano e meio, escrito a seis mãos, ainda que duas delas sejam muito ausentes. De qualquer forma, és sempre bem-vinda. :))